terça-feira, setembro 20, 2005

E ninguém conseguiu se esquecer do que aconteceu naquela noite, nem nunca poderia, mesmo se quisesse. Mesmo se tentasse. A partir daquele dia cinza de outono que nascia, as pessoas não teriam mais consciência sobre seus atos. Nenhuma delas se arrependeria, nunca mais, pela falta ou excesso.
Entre muitos entusiasmados com a nova condição, havia algum que, mesmo desnecessariamente, passou a dormir melhor à noite. Descobrimos então que era uma menina muito mais tranquila, agora, que sua vida estava de certa forma simplificada. Afinal, ninguém gosta de precisar mentir. Mentir para os pais sobre a virgindade, para o namorado sobre a virgindade e os namorados casuais e para as amigas sobre os namorados casuais e o namorado e a virgindade.
Mas não era só isso. Podia assumir tudo aquilo que a envergonhava, tomando como coisas positivas, diante de seu ego, sem constrangimentos. Até mesmo a perfeição admite exceções -e, era óbvio que no mundo ela era o maior expoente daquilo que se entende "A Perfeição" - mesmo com todas as justificativas. Agora não haveriam mais nódoas negras no seu mundo de lilás e azul claro.
Toda noite ela deitava na cama com um sorriso nos lábios. Nada a despertaria de seu sono tranquilo - talvez um ecstasy. Mas essa felicidade nem mesmo o amanhã estragaria.
Depois, o amanhã acabou estragando, sim, a vida maravilhosa das pessoas. Algumas delas, mas realmente poucas, passaram a perceber aquele horror. As primeiras foram tratadas como loucas e devidamente enclausuradas. Demorou um tempo até que pessoas assim fossem aceitas (com restrições) pela sociedade, e muitas delas tinham que viver de uma forma que condenavam, prá não se isolar. Outras tantas não aceitaram viver assim.
Essa doença precisa ser exterminada antes que se transforme numa epidemia. De todo jeito, eu sempre soube que era doente. Coisa rara, porque os doentes são sempre os outros.

quinta-feira, setembro 08, 2005

desatinos, desfalecimentos, desabafos e derivados

do lado da minha cama eu deixo sempre uma prancheta com um papel (normalmente um pedaço de sulfite) e uma lapiseira velha. de vez em quando eu olho prá ver se eu não escrevi nada, porque geralmente estou inconsciente e não me lembro.
está aí, o meu inconsciente, por ele mesmo.

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no final
não vai ter nenhum final
ninguém vai dizer adeus

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depois da minha vida inteira triste por sua causa
acho que não vale mais a pena
agora preciso arrumar alguma outra coisa
prá ser triste o resto da minha vida,
então.

------ (cada coisa, né ? me divirto lendo isso) ----


desfalecimento

o dia nublado começa a ficar mais cinza
o sangue escorrido seca até ficar amarelo
e o mundo e os pensamentos mais obscuros
fazendo silêncio dentro de mim
aumenta o peso na minha cabeça
o sono do meu corpo cansado
caído entre as coisas na minha cama
faz frio, no silêncio
inspira e ...............
expira.

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meu inconsciente é bom no jogo de palavras, né?
eu mal lembrava que "expirar" também quer dizer morrer.
de todo jeito, "foi só um desabafo"

quinta-feira, setembro 01, 2005

eu também assisti aos filmes.

...prá não parecer que algumas coisas passaram em branco por mim, sem que eu fizesse nada a respeito, pensasse, etc.

só prá constar, eu também gosto de Bach, só conheço poucas coisas... o mesmo em relação a Shostakovich, que tem um efeito parecido com as outras músicas do post anterior.

enfim, os filmes são
1. Hotel Ruanda
quando vi, acho que já estava anestesiado, mas não é nada agradável assistir a um genocídio.
2. Tartarugas podem voar
quando você sai do filme, dá um tiro na cabeça. depois dá outro, prá ter certeza.

realmente, não estou preparado prá viver num mundo assim, logo, uma das possibilidades é pensar no suicídio; que apesar de não ser solução prá nada, é um tema interessante.
não estou preparado prá viver num mundo em que crianças de nove (sim... 9 !) anos vão prá "matinê", prá, segundo elas, "ficar". e não existe nada de inocente nisso... ficar, entre eles, não tem compromisso e numa mesma noite podem ficar com vários / várias coleguinhas de classe.
legal, né? e os seus filhos, já pensou nisso? eu penso.
existem muitas explicações prá isso. um exemplo simples: ligue a tv no canal mais assistido do país (globo) em horário nobre, e o que você vê? promiscuidade, muitos beijos, entre outras coisas. agora mude prá um canal de tv a cabo (coisa que eu tenho há uns 6 meses) bem assistido, também, chamado Warner. além da promiscuidade e beijos, homossexualismo, principalmente feminino, que agora está na moda. the o.c. ! todo mundo assiste.

o Joel acha que logo eu vou passar pó de arroz e usar munhequeiras prá esconder os cortes nos pulsos. é uma idéia engraçada, né? eu odeio góticos. se algum dia na minha vida eu for ao cemitério fazer sexo com animais mortos, por favor me matem, porque eu pirei. (agora um monte de góticos vai me odiar prá sempre). Os góticos """"sabem"""" que o mundo é uma porcaria, e tomam uma atitude ótima a respeito: tentam parecer mortos e se relacionar, sobretudo sexualmente, com a morte / os mortos / sei lá com o que. ter essa consciência é importante, mas essa atitude é nojenta.

o que eu realmente penso é que, na verdade, o mundo já era. não acredito em solução prás coisas. quando era novo eu acreditava ainda, mas numa coisa simples como a ação comunitária era fácil perceber como não tem nada que possa ser feito. o mundo é, infelizmente, kafkiano. e eu, nele, sou o "hagar, o horrível". é um sujeito despreparado (talvez anacrônico) prá viver no mundo em que vive, mas que faz coisas e se diverte.

afinal, nada de mais engraçado pode ser feito em relação a isso tudo do que viver, não?
tá, tem gente que busca formas (consciente e inconscientemente) de escapar disso. seja pela ignorância, álcool, tentativas de "aproveitar o momento" e a vida, sem se importar. tem gente que consegue viver com a cabeça vazia desses pensamentos e se divertir e dormir à noite. (talvez ler uma coisa como essa e achar horrível e voltar a jantar). eu não tenho essa sorte, é só isso.


post scriptum. se você também não tem essa sorte, compre algumas mídias e grave nelas as músicas do post aí de baixo. fique com um cd e distribua os outros pros seus amigos.

. a história das crianças na matinê é verdadeira, infelizmente.


- décima nona atualização -
carlos drummond de andrade - os ombros suportam o mundo - só um trecho
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.